IMPIC responde à TI Portugal sobre apagão do Portal BASE

A Transparência Internacional Portugal recebeu na passada sexta-feira, dia 22, a resposta do IMPIC sobre o apagão do Portal BASE, mas dúvidas subsistem, nomeadamente quanto ao papel desta instituição, responsável pela regulação dos contratos públicos, quer na validação dos dados constantes do Portal BASE (por exemplo, evitando a violação do RGPD), quer para garantir o cumprimento cabal do Código dos Contratos Públicos (CCP) e o reforço da transparência na contratação pública.

O Portal BASE foi apagado a 30 de setembro, por decisão do Governo, depois de o Jornal Expresso ter denunciado a publicação de contratos em violação do Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGPD).

Para a TI Portugal, a impossibilidade de consulta dos contratos no portal Base não apenas impede a aplicação plena do CCP, que determina a obrigatoriedade da sua publicitação, como fere de morte os princípios da transparência e do acesso à informação indispensáveis à boa gestão dos fundos públicos, e ao combate à fraude e à corrupção.

“Como temos defendido, a Contratação Transparente não se proclama, materializa-se. É imperativo que as entidades contratantes, assim como o IMPIC, garantam a publicação no BASE de todas as etapas dos procedimentos de contratação pública: desde a intenção de contratar até à execução do contrato, incluindo os cadernos de encargos definindo as regras e os termos da adjudicação de bens e serviços, até às condições estabelecidas em cada contrato e a identificação dos intervenientes”, defende Susana Coroado, Presidente da TI Portugal.

Na carta dirigida ao IMPIC, solicitando esclarecimentos públicos sobre a situação do Portal BASE, a TI Portugal questionou esta instituição sobre:

  1. De que forma é validada a qualidade dos dados constantes do Portal BASE? Quer para os efeitos determinados pelo CCP, quer para efeitos de política de privacidade, quer para efeitos de compliance do RGPD?
  2. De que modo é assegurado pelo IMPIC o cumprimento das obrigações de comunicação das entidades adjudicantes, bem como o modelo de dados a transmitir ao Portal BASE, para efeitos do disposto no CCP e regulamentação complementar?
  3. Dado que entidades públicas com funções de auditoria, fiscalização e regulação devem ter acesso direto às bases de dados que suportam o Portal BASE, para o desempenho da respetiva missão, como se encontra atualmente a ser realizada essa transmissão de dados?
  4. Para que momento se perspetiva a possibilidade de consulta online de todos os dados de contratação pública, passíveis de extração automática, de forma gratuita e em formatos abertos, através do Portal BASE e do portal dados.gov.pt?

A resposta do IMPIC, assinada pelo Presidente do Conselho Diretivo, Dr. Fernando Batista, remete para o conjunto de atribuições listadas no Decreto-Lei nº 232/2015, de 13 de outubro, de entre as quais se destacam, pela sua relevância:

  • a formulação de propostas legislativas e regulamentares relacionadas com os contratos públicos, incluindo os respeitantes à transposição de diretivas europeias;
  • a produção de manuais de boas práticas sobre contratos públicos de aquisição de obras, de bens e de prestação de serviços;
  • a gestão do portal Portal BASE, incluindo os observatórios de obras públicas de bens e serviços;
  • a produção de relatórios estatísticos sobre contratos públicos no setor da construção e do imobiliário;
  • a análise de queixas e denúncias de cidadãos e empresas, assim como participações de entidades públicas sobre a aplicação das regras de adjudicação de contratos públicos no setor da construção e do imobiliário.

Quanto à gestão do Portal BASE, tal como referido pelo IMPIC, “enquanto portal nacional dos contratos públicos, para além da sua importância na transparência e accountability da atividade contratual da administração pública em sentido amplo, é igualmente uma ferramenta insofismável na monitorização dos contratos públicos que, entre outras valências, permita a definição de políticas públicas”, tendo sido recentemente implementado o Open Contracting Data Standard (OCDS), “com o objetivo de que garantir a transparência e a qualidade dos sistemas de e-procurement em cada etapa do ciclo de compras públicas”.

A implementação do OCDS é uma exigência da TI Portugal há largos anos e foi, inclusivamente, inscrita num dos compromissos propostos pelo I Plano Nacional de Administração Aberta, justamente para reforçar a transparência na contratação pública.

Com esta proposta, subscrita pelo Estado Português junto da Open Government Partnership, pretendeu-se assegurar a divulgação de dados oportunos, acessíveis e utilizáveis em todas as etapas do ciclo de contratação pública, o que implicaria tornar todos os contratos abertos por padrão (open by default) e públicos através da sua disponibilização online no Portal BASE, para estimular a concorrência leal e a monitorização cívica, mas também para apoiar as entidades públicas contratantes na sua tomada de decisão sobre gastos e investimentos futuros.

Para efeito, sugeriu-se, entre outras, que a Portaria n.º 57/2018, de 26 de fevereiro, sobre as regras de funcionamento e de gestão do portal BASE passasse a incluir explicitamente a obrigatoriedade de publicação de todas as peças do procedimento de contratação pública desde a primeira à última etapa, isto é, desde o Planeamento até à Contabilidade Final, Pagamento e Sanções.

“O IMPIC responde que não lhe compete aferir se as entidades adjudicantes cumpriram ou não o dever de comunicar dados ao Portal BASE, o que não se compreende, tendo em conta as suas atribuições, mas também porque é a mesma instituição que decidiu a adoção do standard de dados abertos de contratação pública”, considera Karina Carvalho, Diretora Executiva da TI Portugal.

“Não cuidou em aferir se os dados que gere estão alinhados com a estratégia de os tornar abertos por defeito e legíveis para o cidadão comum? Ou se os datasets que produz têm o efeito desejado, ou seja, aumentar a transparência sobre os contratos financiados com dinheiros públicos?”, questiona.

Com o apagão do BASE também o dataset do IMPIC no portal dados.gov foi apagado.

Na sua missiva, o IMPIC assegura que toda a informação necessária às entidades públicas com funções de auditoria, fiscalização e regulação continuam carregadas e acessíveis no sistema, e que serão sucessivamente disponibilizados na área pública do portal todos contratos celebrados, sem avançar qualquer data para a conclusão desses trabalhos.

“O último relatório de contratação pública, relativo ao ano 2019, foi publicado a 8 de junho de 2020 e, ainda que estejam disponíveis as sínteses mensais de contratação pública, o que saudamos, a verdade é que no passado, era possível aceder ao BASE e visualizar o detalhe estatístico com alguma facilidade. Agora não”, sublinha Karina Carvalho, Diretora Executiva da TI Portugal.